Em semana agitada no meio rural, em especial, no setor canavieiro, fiscais do Ministério do Trabalho, Sindicatos e cortadores de cana deixaram transparecer à sociedade as mazelas que giram em torno da produção de álcool e que tentam ser escondidas por trás da tão propalada cortina do “combustível limpo e renovável”, ou etanol, no Estado de São Paulo.
Em diversos pontos do Estado houve mobilizações nas áreas de plantio. Em comum, o desrespeito às condições humanas dos cortadores de cana e também, às legislações trabalhistas.
Na região de Bauru, cortadores de cana de quatro cidades promoveram paralisações de atividades: Mineiros do Tietê, Dois Córregos, Rosália e Campos Novos Paulista. Todas por questões de salário, seja por estarem errados em sua cifras, ou ainda, por simplesmente não os receberem.
Na região de Ribeirão Preto, uma operação conjunta do Ministério Público do Trabalho (MPT) e Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) em usinas e propriedades produtoras de cana-de-açúcar apontou irregularidades que vão gerar autos de infração e propostas de Termo de Ajustamento de Conduta por parte dos procuradores.
Entre as irregularidades apontadas, uma frente de trabalho com cerca de 80 trabalhadores que exercem função na colheita para a Usina Carolo não usava Equipamentos de Proteção Individual (EPIs), principalmente luvas e óculos. Trabalhadores reclamaram a falta de reposição de vestimentas e descontos nos pagamentos com os quais não concordam.
De acordo com o MPT, os trabalhadores não recebem atestado de licença médica se não comprarem medicamentos em uma farmácia que seria de propriedade de um funcionário da usina.
Em outra frente de trabalho, da usina Santa Elisa, do Grupo Santelisa Vale, os cortadores reclamaram que tinham conta-salário pela qual recebiam sem desconto de tarifas e que foram encerradas, com a exigência de que abrissem conta pessoal, além de passarem a pagar as taxas bancárias.
No município de Porto Feliz, na região de Sorocaba, fiscalização do Ministério do Trabalho flagrou 52 canavieiros em condição degradante. Imigrantes nordestinos trazidos para trabalhar nas lavouras de cana eram abrigados em alojamentos inacabados.
Amontoados em cômodos pequenos, por falta de camas, alguns dormiam no chão. Não havia chuveiros e instalações sanitárias em quantidade suficiente. Não havia sequer geladeira para guardar alimentos.
As empresas que contratam os trabalhadores, além de se mostrarem desconhecedoras dos fatos, ainda descontavam as despesas de viagem e o custo dos equipamentos utilizados no corte da cana, inclusive os de proteção individual.
Os trabalhadores disseram aos fiscais do Ministério do Trabalho que foram enganados, pois a promessa era de que, além de acomodações confortáveis, teriam acesso a quadras de esportes e campo de futebol. Um Procurador do Trabalho afirmou que era nítida a situação de exploração dos trabalhadores e resumiu o que vem ocorrendo com freqüência nos canaviais paulistas: "Pôr alguém para trabalhar nessas condições em pleno século 21 é inadmissível”.
Três usinas sucroalcooleiras - CBAA, em Icém; Moema, em Orindiúva; e Vertente, em Altair - todas na região de Rio Preto foram fiscalizadas por força-tarefa composta pelo Ministério Público, Polícia Federal e Ministério do Trabalho de São Paulo. Objetivo: verificar denúncias de irregularidades no trabalho de cortadores de cana e nas instalações das empresas.
A usina CBAA foi embargada por causa de documentação irregular. De acordo com um dos auditores fiscais do Ministério do Trabalho de São Paulo, as denúncias vinham sendo apuradas há duas semanas As principais irregularidades encontradas foram o trabalho escravo e as más condições dos veículos usados no transporte dos cortadores.
No ano passado, 370 cortadores foram encontrados em situação de trabalho escravo durante fiscalização nas usinas da região. Para este ano a estimativa não é nada animadora. Espera-se que o número de trabalhadores chegue a 500.
Por fim, em Buritama, região de Araçatuba, cortadores de cana-de-açúcar reivindicam o pagamento do valor correto do salário de maio, cumprimento dos direitos trabalhistas e custeio das despesas de retorno às cidades de origem. O grupo está determinado a não continuar na região.
Segundo o sindicalista Aparecido Bispo, da Federação dos Empregados Rurais Assalariados do Estado de São Paulo (Feraesp/CUT), o valor pago aos cortadores não corresponde com a quantidade de cana cortada e que a empresa está omitindo informações envolvendo a quantidade da produção.
Há casos de trabalhadores que conseguiram neste mês R$ 250,00 de salário líquido, quando a média seria de R$ 800,00.
Recentemente a usina de Buritama já havia sido autuada em R$ 180 mil pelo Ministério Público do Trabalho, após fiscais terem encontrado no mês de maio irregularidades no alojamento. Além do pagamento da multa, cada trabalhador iria receber por quatro meses uma indenização de R$ 200, conforme prevê o Termo de Ajustamento de Conduta, assinado entre usina e o MPT.
Em suma, o álcool brasileiro só é competitivo no mercado interno contra os combustíveis de origem fóssil e não renováveis porque há super-exploração do trabalho, com mão de obra barata, cujos direitos são freqüentemente vilipendiados. Ao que tudo indica, se a produção de álcool fosse socialmente respeitada, inclusive com o cumprimento a risca da legislação trabalhista, certamente seria economicamente inviável aos usineiros.
Pesquisas recentes feitas por professores das principais universidades do país apontam que o regime de trabalho e às condições precárias a que são expostos os cortadores de cana são análogos aos registrados contra os escravos africanos no período do Brasil-Colônia. Outro fato que ratifica a afirmação se dá ao tempo de vida útil atribuída ao trabalhador rural do setor de corte de cana: apenas 15 anos, ou seja, menor do que o tempo verificado nos escravos.
A produção de álcool combustível se reafirma a cada dia fazer parte de um setor de opostos: ao mesmo tempo em que coloca o Brasil na vanguarda da produção tecnológica de bio-combustíveis, paralelamente, ainda nos dá exemplos de ser o que há de mais atrasado no que diz respeito às normas sócio-trabalhistas e até ambientais, onde consegue patrocinar as mesmas práticas sub-humanas que há cinco séculos são verificadas contra pobres coitados trabalhadores nos canaviais.
Chamados no ano passado de “heróis” pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a classe dos usineiros está hoje há anos luz desse nobre título.
Ilustração - charge do cartunista Angeli